quinta-feira, maio 04, 2006

394) Controvérsias sobre investimentos: a quem apelar

A matéria abaixo, sobre a impossibilidade de o contencioso Brasil-Bolívia sobre expropriação da Petrobrás no segundo país ser levado a exame do órgão de solução de controvérsias da OMC, precisa ser colocado no contexto e referido à própria experiência brasileira nessa matéria. Explico:
Não existe um instrumento multilateral que regule investimentos no plano internacional. A Carta de Havana (1948) tinha algumas disposições nesse sentido mas nunca entrou em vigor. Os países da OCDE possuem os seus próprios códigos de liberalização de capitais e de investimentos e se consideram satisfeitos com isso. Uma tentativa no âmbito da OCDE no sentido de ampliar esse regime jurídico, mediante a negociação de um Acordo Multilateral sobre Investimentos (a cujas negociações o Brasil também foi associado), não vingou, menos pela oposição de hordas de antiglobalizadores -- que acreditam equivocadamente que eles conseguiram bloquear esse acordo -- e mais pela oposição entre EUA e França, entre outros países, sobre determinadas cláusulas desse acordo, sobretudo a parte relativa aos bens e serviços "culturais".
Tentativas feitas no âmbito do GATT e agora da OMC ainda não passam disso, tentativas, por oposição irredutivel de um punhado de países em desenvolvimento que nem são os maiores recipiendários de investimentos estrangeiros.
No plano bilateral, o Brasil aderiu à onda de APPIS -- Acordos de Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos -- do final dos anos 1980 e início dos 90, assinando mais de uma dezena de acordos com países desenvolvidos, exportadores de capitais e de investimentos, portanto, e alguns com países em desenvolvimento -- como Cuba, ávida por receber investimentos brasileiros --, ademais dos dois instrumentos no âmbito do Mercosul (Protocolos de Colonia e de Buenos Aires, nunca aprovados).
O atual chanceler, Celso Amorim, assinou a maior parte desses acordos (com Espanha, França, Alemanha, Reino Unido, Portugal etc.), mas eles nunca foram aprovados pelo Congresso, por oposição das mesmas forças que hoje ocupam o poder no plano federal.
Agora que o Brasil necessita de um instrumento desse tipo, para defender seus interesses no plano regional -- onde nós somos o país "imperialista", isto é, exportador de capital -- não temos simplesmente nada.
Existem apenas cláusulas de arbitragem nos contratos da Petrobrás, no que se refere à operacionalização desses acordos, mas nenhuma garantia quanto à não-expropriação desses investimentos pela Bolívia, por exemplo.
Não somos membros, nem a Bolívia o é, do ICSID, o Centro Internacional de Solução de Controvérsias do Banco Mundial, o que nos daria pelo menos um quadro jurídico elementar para tentar solucionar o atual imbroglio. A China e a Argentina, por exemplo, são frequentadoras habituais, como acusadas, desse foro, em vista das muitas pendências com investidores estrangeiros nesses países.
Nós, não temos nada, infelizmente, e dependemos inteiramente de nossa diplomacia, já que qualquer outra solução está excluída...

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O Estado de São Paulo, Quinta-feira, 4 maio de 2006
ECONOMIA & NEGÓCIOS

Itamaraty não tem como levar caso à OMC
Jamil Chade

O Brasil fica de mãos atadas para recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) para solucionar o caso envolvendo a nacionalização do gás e petróleo na Bolívia. Isso porque o governo boliviano não tem nenhum compromisso assinado na entidade máxima do comércio de abertura de seu setor de energia e nem pretende fazê-los nos próximos anos. Além disso, o setor de investimentos não faz parte dos acordos da OMC, o que impossibilitaria a abertura de uma disputa por causa de uma eventual expropriação.

Por vários anos, o Brasil vem defendendo a inclusão na agenda da OMC de temas relacionados aos investimentos. Caso o tema fizesse parte dos entendimentos, um país poderia entrar com um processo contra outro por estar discriminando investimentos estrangeiros, dificultando a atuação de empresas estrangeiras ou mesmo promovendo expropriações. Uma decisão da OMC, portanto, obrigaria um país a reverter decisões sob a ameaça de ser retaliado caso não fizesse.

Mas por oposição dos países mais pobres, o tema de investimentos acabou nunca fazendo parte da OMC. Assim um conflito só pode ser iniciado em relação a tarifas de importação, subsídios, tratamento de produtos, direito antidumping, barreiras e outros aspectos comerciais.

No setor de serviços, a questão energética é uma das centrais na atual rodada de negociações da OMC. Mas uma eventual abertura só começaria a ser promovida a partir de 2008. La Paz sequer apresentou uma oferta de liberalização de serviços relacionados à energia.

Segundo um analista, se o Brasil anunciar a intenção de estudar um caso contra a Bolívia na OMC será só para "satisfazer o público interno", pois uma decisão da entidade não teria como ser aplicada.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

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segunda-feira, julho 03, 2006 8:52:00 AM  

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