483) Ajuste fiscal no FMI!
Leio, no boletim mensal do FMI (com data de 5 de junho de 2006), que recebo por via eletrônica, a seguinte decisão alcançada na última reunião de primavera desse organismo, em Washington:
“O FMI constituiu um grupo de prestigiosos peritos independentes que examinará diferentes opcões para financiar os custos operacionais da instituição. Esses custos estavam sendo cobertos com os juros e as comissões dos empréstimos outorgados aos países, cuja recente e considerável redução provocou um nível insuficiente de receitas e obrigou a instituição a estudar outras fontes de financiamento.”
Não é sempre que ocorre esse tipo de coisa, mas o mundo é cheio de surpresas, mesmo para os ricos e poderosos. Em outros termos, o FMI vivia da desgraça alheia, isto é, do dinheiro recebido com seus empréstimos “emergenciais”. Sempre foi assim, desde a origem, e os principais responsáveis por esse esquema foram os americanos, que queriam tornar as linhas de crédito para essas situações emergenciais propriamente punitivas.
Esse esquema é bem diferente daquele pretendido pelo famoso economista John Maynard Keynes, que em Bretton Woods (julho de 1944) argumentou inutilmente em favor do seu esquema de sustentação baseado no “bancor”, uma moeda escritural que seria colocada automaticamente à disposição dos devedores, a partir dos saldos dos credores, cada vez que os primeiros incorressem em déficit de pagamentos. Ou seja, o que Keynes queria era, na verdade, uma tia rica que financiasse indefinidamente os gastos excessivos dos sobrinhos descuidados, o que refletia exatamente a relação EUA-Grã-Bretanha naquela época, os EUA tremendamente poderosos e a velha Albion empobrecida pela guerra e pelos seus encargos coloniais.
Essa situação não era nova. Já no começo do século XX, o famoso economista John Hobson, em seu “Imperialism”, um estudo muito utilizado por Lênin (ainda que mal utilizado), tinha argumentado que a posse de colônias significava uma perda econômica para o Reino Unido, ainda que trouxesse glória e prestígio.
Em Bretton Woods, os americanos não aceitaram os generosos esquemas automáticos de compensações desenhados por Keynes e atuaram de forma muito pragmática, fazendo inclusive com que o FMI se auto-sustentasse com essas operações, em lugar de depender sempre de aportes governamentais.
Agora que a situação mundial melhorou, que há excesso de liquidez irrigando os mercados financeiros, que os emergentes recebem muitos investimentos diretos, que quase nenhum país tem algum pacote milionário de ajuda, o FMI ficou sem fundos - que eram dados pelas comissões recebidas pelos empréstimos - para pagar sua rica e custosa burocracia.
Eu recomendaria que o FMI empreendesse um programa de auto-ajuste, com redução de salários, aumento das tarifas do restaurante (subsidiado, of course), venda de ativos, terceirização de atividades e privatização de vários serviços internos (edição de publicações, por exemplo). Ou seja, que ele fizesse exatamente o que recomenda para os países que procuram sua ajuda.
Eu também recomendaria que ele começasse por fazer a terceirização de sua assessoria econômica, contratando economistas mais baratos na Índia e em outros países -- não, por favor, da Unicamp, não -- e que ele talvez empreendesse até algum off-shoring de certas funções diretivas, quem sabe começando até pelo próprio diretor-geral. Em lugar de pagar 300 mil dólares anuais para Rodrigo Rato, que tal fazer uma concorrência e ver qual economista se disporia a trabalhar por no máximo 100 mil dólares (sem seguro saúde ou férias remuneradas, claro)? Ele nem precisaria trabalhar em Washington, podendo se corresponder desde Bombai com seus subordinados por e-mail, por exemplo...
O FMI precisa apertar o cinto, diminuir despesas e terceirizar atividades. Ele ainda é necessário para países pobres, mas isso pode ser feito com menos suntuosidade do que atualmente. O mundo da globalização precisa cada vez menos de FMIs e BIRDs, pois já existem mercados de créditos diversificados e fartos. Menos para os países muito irresponsáveis, claro, mas seria bom que eles enfrentassem a realidade também.
Ao contrário do que pensam os antiglobalizadores, o FMI e o BIRD não existem para implementar os livres mercados e o neoliberalismo, ao contrário. Eles foram e são chamados justamente quando os mercados falham, o que acontece inevitavelmente de vez em quando, pois mercados são instituições humanas, sujeitos a manipulações e ciclos altistas ou depressivos. Mas, mercados livres se ajustam muito melhor e mais rapidamente do que mercados dominados por alguns cartéis, inclusive os cartéis dos créditos oficiais, como o FMI e o BIRD. Eles contribuem para o chamado “moral hazard”, isto é, o exagero na busca de lucros altos, que terminam sempre por riscos impossíveis de serem suportados pelos jogadores (que são geralmente governos irresponsáveis).
Por isso, minha recomendação seria: nem mais um tostão para o FMI. Aperto orçamentário, ajuste fiscal, realidade contábil, regime de emagrecimento.
Bem vindo à realidade FMI!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de junho de 2006
“O FMI constituiu um grupo de prestigiosos peritos independentes que examinará diferentes opcões para financiar os custos operacionais da instituição. Esses custos estavam sendo cobertos com os juros e as comissões dos empréstimos outorgados aos países, cuja recente e considerável redução provocou um nível insuficiente de receitas e obrigou a instituição a estudar outras fontes de financiamento.”
Não é sempre que ocorre esse tipo de coisa, mas o mundo é cheio de surpresas, mesmo para os ricos e poderosos. Em outros termos, o FMI vivia da desgraça alheia, isto é, do dinheiro recebido com seus empréstimos “emergenciais”. Sempre foi assim, desde a origem, e os principais responsáveis por esse esquema foram os americanos, que queriam tornar as linhas de crédito para essas situações emergenciais propriamente punitivas.
Esse esquema é bem diferente daquele pretendido pelo famoso economista John Maynard Keynes, que em Bretton Woods (julho de 1944) argumentou inutilmente em favor do seu esquema de sustentação baseado no “bancor”, uma moeda escritural que seria colocada automaticamente à disposição dos devedores, a partir dos saldos dos credores, cada vez que os primeiros incorressem em déficit de pagamentos. Ou seja, o que Keynes queria era, na verdade, uma tia rica que financiasse indefinidamente os gastos excessivos dos sobrinhos descuidados, o que refletia exatamente a relação EUA-Grã-Bretanha naquela época, os EUA tremendamente poderosos e a velha Albion empobrecida pela guerra e pelos seus encargos coloniais.
Essa situação não era nova. Já no começo do século XX, o famoso economista John Hobson, em seu “Imperialism”, um estudo muito utilizado por Lênin (ainda que mal utilizado), tinha argumentado que a posse de colônias significava uma perda econômica para o Reino Unido, ainda que trouxesse glória e prestígio.
Em Bretton Woods, os americanos não aceitaram os generosos esquemas automáticos de compensações desenhados por Keynes e atuaram de forma muito pragmática, fazendo inclusive com que o FMI se auto-sustentasse com essas operações, em lugar de depender sempre de aportes governamentais.
Agora que a situação mundial melhorou, que há excesso de liquidez irrigando os mercados financeiros, que os emergentes recebem muitos investimentos diretos, que quase nenhum país tem algum pacote milionário de ajuda, o FMI ficou sem fundos - que eram dados pelas comissões recebidas pelos empréstimos - para pagar sua rica e custosa burocracia.
Eu recomendaria que o FMI empreendesse um programa de auto-ajuste, com redução de salários, aumento das tarifas do restaurante (subsidiado, of course), venda de ativos, terceirização de atividades e privatização de vários serviços internos (edição de publicações, por exemplo). Ou seja, que ele fizesse exatamente o que recomenda para os países que procuram sua ajuda.
Eu também recomendaria que ele começasse por fazer a terceirização de sua assessoria econômica, contratando economistas mais baratos na Índia e em outros países -- não, por favor, da Unicamp, não -- e que ele talvez empreendesse até algum off-shoring de certas funções diretivas, quem sabe começando até pelo próprio diretor-geral. Em lugar de pagar 300 mil dólares anuais para Rodrigo Rato, que tal fazer uma concorrência e ver qual economista se disporia a trabalhar por no máximo 100 mil dólares (sem seguro saúde ou férias remuneradas, claro)? Ele nem precisaria trabalhar em Washington, podendo se corresponder desde Bombai com seus subordinados por e-mail, por exemplo...
O FMI precisa apertar o cinto, diminuir despesas e terceirizar atividades. Ele ainda é necessário para países pobres, mas isso pode ser feito com menos suntuosidade do que atualmente. O mundo da globalização precisa cada vez menos de FMIs e BIRDs, pois já existem mercados de créditos diversificados e fartos. Menos para os países muito irresponsáveis, claro, mas seria bom que eles enfrentassem a realidade também.
Ao contrário do que pensam os antiglobalizadores, o FMI e o BIRD não existem para implementar os livres mercados e o neoliberalismo, ao contrário. Eles foram e são chamados justamente quando os mercados falham, o que acontece inevitavelmente de vez em quando, pois mercados são instituições humanas, sujeitos a manipulações e ciclos altistas ou depressivos. Mas, mercados livres se ajustam muito melhor e mais rapidamente do que mercados dominados por alguns cartéis, inclusive os cartéis dos créditos oficiais, como o FMI e o BIRD. Eles contribuem para o chamado “moral hazard”, isto é, o exagero na busca de lucros altos, que terminam sempre por riscos impossíveis de serem suportados pelos jogadores (que são geralmente governos irresponsáveis).
Por isso, minha recomendação seria: nem mais um tostão para o FMI. Aperto orçamentário, ajuste fiscal, realidade contábil, regime de emagrecimento.
Bem vindo à realidade FMI!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de junho de 2006
1 Comments:
"Eu recomendaria que o FMI (...) fizesse exatamente o que recomenda para os países que procuram sua ajuda" - eis a moralidade do FMI concisamente posta aí em xeque!
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