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Quando diplomacia se confunde com ideologia
Cristiano Romero, Valor Econômico (03/05/06)
A estrepitosa nacionalização do petróleo anunciada pelo presidente da Bolívia, Evo Morales, expôs, com crueza, o caráter ideológico da diplomacia no governo petista. Por solidariedade hemisférica, partidária e ideológica, por "generosidade" ou coisa que o valha, o Itamaraty não evitou que Morales desse, usando a Petrobras como símbolo, a sua mais alta cartada populista. O governo Lula se deu por surpreendido, o que se comprova pela reunião que consumiu todo o dia de ontem. Não havia razão para surpresa, o que confirma que a letargia foi provocada por motivação ideológica. Há 15 dias, informou Miriam Leitão em "O Globo", o ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia avisou que a nacionalização era pra valer.
Na semana passada, o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, foi a La Paz para tratar do assunto. "Ou ele não entendeu nada do que ouviu na Bolívia ou então o enrolaram. Ou ele, com base na solidariedade hemisférica e ideológica, fez vista grossa para o que ia acontecer", disse o experiente embaixador Rubens Barbosa. Há outras razões para não acreditar em surpresa. Morales é um velho conhecido do presidente da República. Quando Lula, ainda longe do poder, criou o Fórum de São Paulo para congregar representantes da esquerda sul-americana, Morales, igualmente longe do poder, tornou-se freqüentador assíduo do convescote. Marco Aurélio Garcia, assessor internacional do Palácio do Planalto, tem, segundo o próprio presidente, "canais paralelos" dentro dos partidos de esquerda na região.
Nada disso impediu que Morales fizesse o que fez. O papel da diplomacia teria sido antecipar os movimentos do presidente boliviano e, por meio dos recursos à mão, neutralizá-los, pelo menos no que diz respeito aos interesses do Brasil.
No fim de semana, Lula, sempre o último na República a saber do que acontece à sua volta, disse que o assunto não tinha sido levado a ele. Os fatos desmentem o presidente. Na semana passada, quando se encontrou em São Paulo com os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Néstor Kirchner, da Argentina, Lula, segundo apurou esta coluna, se queixou diretamente com Chávez por ele estimular Morales a nacionalizar o petróleo boliviano. "Eu, que não tinha informação privilegiada, estava vendo que ia dar confusão. Como é que o governo se deixa surpreender?", questiona Rubens Barbosa. "Potências, líderes, antecipam essas coisas para se posicionar ou para fazer pressão para que elas não aconteçam ou, no mínimo, para pressionar publicamente ou ameaçar com sanções. Nada disso aconteceu." Não aconteceu porque a decisão do governo foi de caráter ideológico, como atesta a nota oficial do Palácio do Planalto, reconhecendo a decisão "soberana" da Bolívia. É grave essa interpretação porque, na prática, não se trata de nacionalização das riquezas exploradas pela Petrobras, mas de expropriação, afinal, a Bolívia não tem recursos para indenizar a estatal e o governo brasileiro.
"Generosidade" nas relações com os vizinhos sul-americanos é um conceito caro a Samuel Pinheiro Guimarães. Num texto intitulado "O Gato e a Onça: ameaças e estratégia", ele defende, como "objetivo fundamental" da política externa, a construção do que chama de espaço econômico e político sul-americano. Diz que o Brasil deve fazer isso sem qualquer pretensão hegemônica e com base na generosidade "decorrente das extraordinárias assimetrias entre o Brasil e cada um de seus vizinhos". "É necessário praticar o princípio do tratamento especial e diferenciado quase que na proporção das assimetrias reais, para que não seja quando ocorre apenas ilusório, sem na realidade iludir a ninguém", postula o embaixador. Esse tem sido, desde 2003, o princípio norteador da relação do Brasil com seus vizinhos. Os resultados estão aí: hostilidades, hostilidades e hostilidades. Nunca o país foi tão humilhado por seus vizinhos como nos últimos três anos.
"Esta é uma visão ingênua porque os países não têm amigos; têm interesses", diz Rubens Barbosa, citando frase de John Foster Dulles, secretário de Estado americano na gestão Eisenhower. "É inaceitável colocar soldados numa refinaria brasileira. Há cem anos o Brasil não tem tido conflitos de fronteira. A maior ofensa que Evo Morales podia fazer ao povo brasileira era justamente ocupar a Petrobras", disse o deputado Paulo Delgado (PT-MG), um especialista em relações internacionais.
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Países não têm amigos; têm interesses
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Os exilados do Itamaraty
Enquanto brinca de fazer política externa, a cúpula do Itamaraty manda para o exílio, inspirada mais uma vez em seu forte viés ideológico, alguns de seus embaixadores mais competentes. Alguns exemplos:
1) Gélson Fonseca: da missão do Brasil na ONU, foi enviado para a embaixada do Brasil no Chile. Recentemente, foi removido. Ofereceram-lhe, primeiro, Estocolmo. Depois, o consulado-geral em Madri. Entre o gelo sueco e o calor espanhol, Gélson não teve dúvidas: optou pela latinidade.
2) Eduardo Santos: ex-assessor de FHC, estava em Montevidéu. Agora, foi removido para Berna. Um verdadeiro freezer, do ponto de vista da carreira diplomática. "Um caso clássico de subutilização de talentos", comenta um embaixador.
3) Sérgio Amaral: reconhecidamente, um dos mais brilhantes de sua geração, estava há apenas dois anos em Paris quando a dupla Celso Amorim-Samuel Pinheiro decidiu removê-lo, oferecendo Tóquio como compensação. O baque foi tão grande que Amaral preferiu se licenciar.
4) José Alfredo Graça Lima: especialista em negociações, sofreu o primeiro exílio ainda no governo FHC. Foi transferido primeiro para Bruxelas, onde chefiou a missão brasileira junto à Comunidade Européia. Agora, curte um doce exílio em Nova York, no posto de cônsul-geral.
5) Marcos Caramuru: no início do governo Lula, foi abatido em pleno ar depois de receber o agreement do Canadá. Resgatado por Antonio Palocci, que o nomeou para o Coaf, foi enviado há pouco para a embaixada do Brasil na Malásia. "Um sujeito de primeira num posto de segunda", diz um diplomata.
Cristiano Romero, Valor Econômico (03/05/06)
A estrepitosa nacionalização do petróleo anunciada pelo presidente da Bolívia, Evo Morales, expôs, com crueza, o caráter ideológico da diplomacia no governo petista. Por solidariedade hemisférica, partidária e ideológica, por "generosidade" ou coisa que o valha, o Itamaraty não evitou que Morales desse, usando a Petrobras como símbolo, a sua mais alta cartada populista. O governo Lula se deu por surpreendido, o que se comprova pela reunião que consumiu todo o dia de ontem. Não havia razão para surpresa, o que confirma que a letargia foi provocada por motivação ideológica. Há 15 dias, informou Miriam Leitão em "O Globo", o ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia avisou que a nacionalização era pra valer.
Na semana passada, o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, foi a La Paz para tratar do assunto. "Ou ele não entendeu nada do que ouviu na Bolívia ou então o enrolaram. Ou ele, com base na solidariedade hemisférica e ideológica, fez vista grossa para o que ia acontecer", disse o experiente embaixador Rubens Barbosa. Há outras razões para não acreditar em surpresa. Morales é um velho conhecido do presidente da República. Quando Lula, ainda longe do poder, criou o Fórum de São Paulo para congregar representantes da esquerda sul-americana, Morales, igualmente longe do poder, tornou-se freqüentador assíduo do convescote. Marco Aurélio Garcia, assessor internacional do Palácio do Planalto, tem, segundo o próprio presidente, "canais paralelos" dentro dos partidos de esquerda na região.
Nada disso impediu que Morales fizesse o que fez. O papel da diplomacia teria sido antecipar os movimentos do presidente boliviano e, por meio dos recursos à mão, neutralizá-los, pelo menos no que diz respeito aos interesses do Brasil.
No fim de semana, Lula, sempre o último na República a saber do que acontece à sua volta, disse que o assunto não tinha sido levado a ele. Os fatos desmentem o presidente. Na semana passada, quando se encontrou em São Paulo com os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Néstor Kirchner, da Argentina, Lula, segundo apurou esta coluna, se queixou diretamente com Chávez por ele estimular Morales a nacionalizar o petróleo boliviano. "Eu, que não tinha informação privilegiada, estava vendo que ia dar confusão. Como é que o governo se deixa surpreender?", questiona Rubens Barbosa. "Potências, líderes, antecipam essas coisas para se posicionar ou para fazer pressão para que elas não aconteçam ou, no mínimo, para pressionar publicamente ou ameaçar com sanções. Nada disso aconteceu." Não aconteceu porque a decisão do governo foi de caráter ideológico, como atesta a nota oficial do Palácio do Planalto, reconhecendo a decisão "soberana" da Bolívia. É grave essa interpretação porque, na prática, não se trata de nacionalização das riquezas exploradas pela Petrobras, mas de expropriação, afinal, a Bolívia não tem recursos para indenizar a estatal e o governo brasileiro.
"Generosidade" nas relações com os vizinhos sul-americanos é um conceito caro a Samuel Pinheiro Guimarães. Num texto intitulado "O Gato e a Onça: ameaças e estratégia", ele defende, como "objetivo fundamental" da política externa, a construção do que chama de espaço econômico e político sul-americano. Diz que o Brasil deve fazer isso sem qualquer pretensão hegemônica e com base na generosidade "decorrente das extraordinárias assimetrias entre o Brasil e cada um de seus vizinhos". "É necessário praticar o princípio do tratamento especial e diferenciado quase que na proporção das assimetrias reais, para que não seja quando ocorre apenas ilusório, sem na realidade iludir a ninguém", postula o embaixador. Esse tem sido, desde 2003, o princípio norteador da relação do Brasil com seus vizinhos. Os resultados estão aí: hostilidades, hostilidades e hostilidades. Nunca o país foi tão humilhado por seus vizinhos como nos últimos três anos.
"Esta é uma visão ingênua porque os países não têm amigos; têm interesses", diz Rubens Barbosa, citando frase de John Foster Dulles, secretário de Estado americano na gestão Eisenhower. "É inaceitável colocar soldados numa refinaria brasileira. Há cem anos o Brasil não tem tido conflitos de fronteira. A maior ofensa que Evo Morales podia fazer ao povo brasileira era justamente ocupar a Petrobras", disse o deputado Paulo Delgado (PT-MG), um especialista em relações internacionais.
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Países não têm amigos; têm interesses
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Os exilados do Itamaraty
Enquanto brinca de fazer política externa, a cúpula do Itamaraty manda para o exílio, inspirada mais uma vez em seu forte viés ideológico, alguns de seus embaixadores mais competentes. Alguns exemplos:
1) Gélson Fonseca: da missão do Brasil na ONU, foi enviado para a embaixada do Brasil no Chile. Recentemente, foi removido. Ofereceram-lhe, primeiro, Estocolmo. Depois, o consulado-geral em Madri. Entre o gelo sueco e o calor espanhol, Gélson não teve dúvidas: optou pela latinidade.
2) Eduardo Santos: ex-assessor de FHC, estava em Montevidéu. Agora, foi removido para Berna. Um verdadeiro freezer, do ponto de vista da carreira diplomática. "Um caso clássico de subutilização de talentos", comenta um embaixador.
3) Sérgio Amaral: reconhecidamente, um dos mais brilhantes de sua geração, estava há apenas dois anos em Paris quando a dupla Celso Amorim-Samuel Pinheiro decidiu removê-lo, oferecendo Tóquio como compensação. O baque foi tão grande que Amaral preferiu se licenciar.
4) José Alfredo Graça Lima: especialista em negociações, sofreu o primeiro exílio ainda no governo FHC. Foi transferido primeiro para Bruxelas, onde chefiou a missão brasileira junto à Comunidade Européia. Agora, curte um doce exílio em Nova York, no posto de cônsul-geral.
5) Marcos Caramuru: no início do governo Lula, foi abatido em pleno ar depois de receber o agreement do Canadá. Resgatado por Antonio Palocci, que o nomeou para o Coaf, foi enviado há pouco para a embaixada do Brasil na Malásia. "Um sujeito de primeira num posto de segunda", diz um diplomata.
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