408) Eu sou austríaco e não sabia...
Estou me sentindo o próprio personagem de Molière, aquele que fazia prosa e não desconfiava de nada, até o dia em que alguém lhe conta, afinal, a genial descoberta. Mas, eu não sou um simples prosador malgré moi, o que muito me encantaria, pois a minha prosa é rebuscada, quase gongórica, impossível de ler com gosto, cheia de apostos, repleta de predicados, adjetivos para todo lado, substantivos arrancados de seu contexto, prolixidade à solta em parágrafos enormes, típicos da “escola paulista de sociologia” à qual eu devo pertencer malgré tout, aliás, uma prosa exatamente deste jeito que acabo de escrever. Mas, infelizmente eu não sou prosador qualquer, um reles literato perdido na sociologia, mas sim um livre-atirador de idéias alheias, um aderente inconsciente a uma dessas escolas filosóficas que insistem em sobreviver malgrado a passagem do tempo.
Pois é, esta semana eu descobri que eu sou “austríaco”, asi no más. Não digo de nacionalidade austríaca, nem um residente nos contrafortes do Tirol, no vale do Inn ou na bela cidade mozartiana de Salzburg. Não, nada disso. Eu sou, ou seria, da famosa “escola econômica austríaca”, aquela de Böhm-Bawerk, Carl Menger, Ludwig Von Mises, Alfred Hayek e tantos outros. Vejam vocês, logo eu, que conheço mal e porcamente esses autores, que nunca fiz direito o meu dever de casa e que só li rápida e parcialmente algo de Von Mises e outro tanto de Hayek.
Pois é, eu sou austríaco, e parece que esse mal não tem cura. Mas, confesso que eu não sabia de nada. Acabo de descobrir e devo a descoberta a um colega acadêmico que se confessa prebischiano, asi no más. Ele tem a vantagem, sobre mim, de ser muito mais “moderno”, mas não sei se a sua “modernidade” ganha da minha “antiguidade”. Afinal de contas, em matéria de PIB do pensamento econômico, a escola austríaca parece ter mais “acumulação primitiva”, e mais “valor agregado” do que a escola prebischiana, embora esta última pareça fazer mais sucesso por estas plagas do cone sul.
A acusação, ou melhor, a classificação, veio no contexto de uma discussão sobre políticas econômicas e sua adequação às necessidades atuais do Brasil. Estávamos falando de políticas comerciais ou industriais específicas que são mobilizadas por certos governos, não muito longe daqui, para “criar” crescimento, “promover” desenvolvimento e distribuir benesses para a população, de modo geral, com destaque para o setor informal da PEA, em particular. Argumentávamos, eu e um colega que também se descobriu “austríaco” (suponho que também malgré lui), que, nessas situações negociais ou de definição de políticas públicas nas quais você tem de decidir que tipo de medida vai adotar, o melhor a fazer seria que o governo não adotasse políticas setoriais específicas, sobretudo privilegiando nossa velha burguesia industrial corporatista, e sim decidisse investir na capacitação profissional dos recursos humanos e na melhoria das condições de competitividade da economia como um todo. Pois estávamos nós dois defendendo o direito dos pobres a serem escolarizados decentemente, em lugar de ver o dinheiro sendo entregue aos privilegiados de sempre, quando nosso interlocutor “prebischiano” lançou a acusação: “Mas vocês são muito austríacos!”, como se isso fosse uma definição definitiva, como diria o Millor.
Na continuidade, ainda tentamos argumentar que “austríacos” eram mais bem os agricultores do agronegócio, empenhados em elevar a produtividade do setor primário da economia, e que os nossos industriais, em lugar de serem “schumpeterianos”, eram, talvez, “prebischianos”, pois que eles gostam ainda do argumento da indústria infante, da proteção tarifária, da ajuda estatal, das políticas ativas e do crédito subsidiado. A intenção era a de mostrar que, se havia algo de novo na economia, eram justamente os agricultores “austríacos”, não os industriais “prebischianos”, que estavam há quatro ou cinco décadas no “more of the same” da política industrial.
Mas, não teve jeito: eu e meu colega saímos com o rótulo de “austríacos” e o nosso interlocutor confirmou sua crença na validade dos seus argumentos prebischianos. Pensando bem, em retrospecto, acho que é melhor ser “austríaco” do que ser “neoliberal”. Assim, pelo menos uma parte da massa que protesta contra o consenso de Washington e a globalização não vai entender do que se trata, exatamente, e vamos ficar imunes a qualquer olhar de censura ou acusação ainda mais pesada. Ser “austríaco”, no Brasil, ainda não entrou na moda, assim que podemos inaugurar uma tendência, e ganhar dinheiro com isso, se soubermos defender nosso copyright para o uso da expressão aqui ao sul do Equador. Afinal de contas, o autor das regras do “consenso de Washington” provou ser um mau economista e deixou de ganhar um rico dinheiro com o devido registro da expressão, uma das mais usadas na última década e meia de furiosos ataques contra os neoliberais (outro conceito que passou totalmente impune pelo registro de propriedade intelectual).
Mas, cabe aqui um aviso aos eventuais opositores ideológicos da escola em questão: os austríacos não são neoliberais, pela simples razão de que eles nunca precisaram do neo, eles ficaram nas velhas idéias de um passado pré-socialismo real, pré-teoria da dependência e outras inovações passageiras. Os austríacos são simplesmente liberais, ponto.
Ainda que eu não me considere um “austríaco”, nem um liberal clássico, agora sinto-me no dever de estudar atentamente o pensamento dos meus “colegas” austríacos, eles sim verdadeiros e autênticos. Falando nisso, permito-me recomendar um site, Library of Economics and Liberty (www.econlib.org), onde os curiosos podem encontrar uma literatura abundante e links em profusão sobre e dessa escola. Ao trabalho, austríacos desconhecidos, vocês também vão descobrir virtudes insuspeitadas em velhos textos de épocas passadas.
Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)
Brasília, 11 de maio de 2006
Pois é, esta semana eu descobri que eu sou “austríaco”, asi no más. Não digo de nacionalidade austríaca, nem um residente nos contrafortes do Tirol, no vale do Inn ou na bela cidade mozartiana de Salzburg. Não, nada disso. Eu sou, ou seria, da famosa “escola econômica austríaca”, aquela de Böhm-Bawerk, Carl Menger, Ludwig Von Mises, Alfred Hayek e tantos outros. Vejam vocês, logo eu, que conheço mal e porcamente esses autores, que nunca fiz direito o meu dever de casa e que só li rápida e parcialmente algo de Von Mises e outro tanto de Hayek.
Pois é, eu sou austríaco, e parece que esse mal não tem cura. Mas, confesso que eu não sabia de nada. Acabo de descobrir e devo a descoberta a um colega acadêmico que se confessa prebischiano, asi no más. Ele tem a vantagem, sobre mim, de ser muito mais “moderno”, mas não sei se a sua “modernidade” ganha da minha “antiguidade”. Afinal de contas, em matéria de PIB do pensamento econômico, a escola austríaca parece ter mais “acumulação primitiva”, e mais “valor agregado” do que a escola prebischiana, embora esta última pareça fazer mais sucesso por estas plagas do cone sul.
A acusação, ou melhor, a classificação, veio no contexto de uma discussão sobre políticas econômicas e sua adequação às necessidades atuais do Brasil. Estávamos falando de políticas comerciais ou industriais específicas que são mobilizadas por certos governos, não muito longe daqui, para “criar” crescimento, “promover” desenvolvimento e distribuir benesses para a população, de modo geral, com destaque para o setor informal da PEA, em particular. Argumentávamos, eu e um colega que também se descobriu “austríaco” (suponho que também malgré lui), que, nessas situações negociais ou de definição de políticas públicas nas quais você tem de decidir que tipo de medida vai adotar, o melhor a fazer seria que o governo não adotasse políticas setoriais específicas, sobretudo privilegiando nossa velha burguesia industrial corporatista, e sim decidisse investir na capacitação profissional dos recursos humanos e na melhoria das condições de competitividade da economia como um todo. Pois estávamos nós dois defendendo o direito dos pobres a serem escolarizados decentemente, em lugar de ver o dinheiro sendo entregue aos privilegiados de sempre, quando nosso interlocutor “prebischiano” lançou a acusação: “Mas vocês são muito austríacos!”, como se isso fosse uma definição definitiva, como diria o Millor.
Na continuidade, ainda tentamos argumentar que “austríacos” eram mais bem os agricultores do agronegócio, empenhados em elevar a produtividade do setor primário da economia, e que os nossos industriais, em lugar de serem “schumpeterianos”, eram, talvez, “prebischianos”, pois que eles gostam ainda do argumento da indústria infante, da proteção tarifária, da ajuda estatal, das políticas ativas e do crédito subsidiado. A intenção era a de mostrar que, se havia algo de novo na economia, eram justamente os agricultores “austríacos”, não os industriais “prebischianos”, que estavam há quatro ou cinco décadas no “more of the same” da política industrial.
Mas, não teve jeito: eu e meu colega saímos com o rótulo de “austríacos” e o nosso interlocutor confirmou sua crença na validade dos seus argumentos prebischianos. Pensando bem, em retrospecto, acho que é melhor ser “austríaco” do que ser “neoliberal”. Assim, pelo menos uma parte da massa que protesta contra o consenso de Washington e a globalização não vai entender do que se trata, exatamente, e vamos ficar imunes a qualquer olhar de censura ou acusação ainda mais pesada. Ser “austríaco”, no Brasil, ainda não entrou na moda, assim que podemos inaugurar uma tendência, e ganhar dinheiro com isso, se soubermos defender nosso copyright para o uso da expressão aqui ao sul do Equador. Afinal de contas, o autor das regras do “consenso de Washington” provou ser um mau economista e deixou de ganhar um rico dinheiro com o devido registro da expressão, uma das mais usadas na última década e meia de furiosos ataques contra os neoliberais (outro conceito que passou totalmente impune pelo registro de propriedade intelectual).
Mas, cabe aqui um aviso aos eventuais opositores ideológicos da escola em questão: os austríacos não são neoliberais, pela simples razão de que eles nunca precisaram do neo, eles ficaram nas velhas idéias de um passado pré-socialismo real, pré-teoria da dependência e outras inovações passageiras. Os austríacos são simplesmente liberais, ponto.
Ainda que eu não me considere um “austríaco”, nem um liberal clássico, agora sinto-me no dever de estudar atentamente o pensamento dos meus “colegas” austríacos, eles sim verdadeiros e autênticos. Falando nisso, permito-me recomendar um site, Library of Economics and Liberty (www.econlib.org), onde os curiosos podem encontrar uma literatura abundante e links em profusão sobre e dessa escola. Ao trabalho, austríacos desconhecidos, vocês também vão descobrir virtudes insuspeitadas em velhos textos de épocas passadas.
Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)
Brasília, 11 de maio de 2006
1 Comments:
o pior é quando você é monetarista e austríaco porque gosta de Friedman e Hayek, embora o primeiro tenha ficado famoso como o que disse: "não existe economia austríaca e não-austríaca. Existe boa e má economia".
he he he. E vamos estatizar nossas praias! (degustibus...)
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