segunda-feira, maio 22, 2006

434) Diplomatas de pijama (nem por isso menos ativos...)

A ofensiva dos embaixadores
Jornal do Brasil, 21/05/2006

Eles têm em comum uma série de características: são profissionais experientes, competentes e de prestígio, não se filiam a partidos, trabalharam em diferentes governos, prestaram relevantes serviços ao país e, embora hoje aposentados, mantêm uma permanente atitude de respeito à casa de origem, em que se formaram e e à qual serviram por décadas: o Itamaraty.
De uns tempos para cá, esses embaixadores - pois é deles que se trata - passaram a exibir também um comportamento público similar: todos têm críticas à condução trapalhona da política externa do governo Lula.
0 recente passa-moleque do presidente boliviano Evo Morales, que estatizou as jazidas e a indústria de petróleo e gás do país e, pelo menos no momento inicial, deu uma banana à Petrobras e hostilizou abertamente o governo brasileiro, serviu como uma espécie de estopim. Então vieram à tona as opiniões desses respeitados diplomatas sobre os sucessivos tropeços da política externa de Lula em palestras - principalmente a empresários -, artigos e entrevistas.
Nessas ocasiões, vêm sendo objeto da atenção desses venerandos diplomatas, entre outros, os seguintes tópicos:
1) O esfarelamento do Mercosul, com a Argentina e o Uruguai se digladiando por causa da construção de duas fábricas de papel às margens do rio Uruguai, que Buenos Aires considera prejudicial à qualidade de águas compartilhadas, o Paraguai empreendendo uma aproximação militar com os Estados Unidos e o Uruguai pretendendo assinar acordo comercial em separado com Washington;
2) A falta de prioridade e o descuido na condução das relações estratégicas com a Argentina, que estariam em seu pior nível desde que, nos anos 80, os presidentes José Sarney e Raul Alfonsín promoveram o histórico ato de mútua renúncia a uma corrida nuclear;
3) 0 excesso de aproximação com o doidivanas presidente da Venezuela, Hugo Chávez;
4) A natureza e o grau de envolvimento do Brasil, e de tropas brasileiras, na tentativa de pacificação do Haiti; como nunca chegou em nível minimamente razoável o programa internacional de ajuda para reerguer o país destroçado por mini-guerras civis, o Brasil estaria colaborando apenas no papel de policia que, precariamente e debaixo de críticas constantes, as forças da ONU exercem;
5) 0 erro político e diplomático que foi, em ato inédito nos anais da política externa do país, o apoio explicito do presidente Lula a Evo Morales durante a campanha presidencial na Bolívia;
6) 0 excesso de concessões à China com a vã esperança, já varrida do mapa, de que o gigante asiático apoiasse a pretensão brasileira de ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU;
7) A ênfase às relações com países africanos, incluindo o perdão de suas dívidas para com o país, com o objetivo anterior incluído entre as metas a serem alcançadas -apenas para constatar depois que a África em peso deixaria de apoiar o Brasil na questão;
10) A derrota, previsível e embaraçosa, dos candidatos brasileiros à direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) e à presidência do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID).
Entre os críticos, estão figuras respeitadas como Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e no Reino Unido, Marcos Azambuja, ex-embaixador na Argentina e na França, José Botafogo Gonçalves, experimentado negociador na área de comércio exterior, Rubens Ricupero, que foi embaixador nos Estados Unidos, ministro da Fazenda no governo Itamar Franco e, até recentemente, secretário-geral da Organização das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), e Luís Felipe Lampreia, ex-embaixador em Portugal e em Genebra.
No caso de Lampreia, a atual direção do Itamaraty costuma lembrar que ele foi chanceler do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), como se isso lhe tirasse autoridade para fazer críticas. Mas não custa lembrar que o próprio chanceler Celso Amorim também serviu, no mesmo cargo de ministro, a um governo ao qual o PT, hoje no poder, se opunha: o do presidente Itamar Franco (1992-1995).
Amorim está irritado com as críticas. Já se queixou a respeito a pessoas próximas e, entre um e outro salamaleque diplomático, também deixou escapar seu aborrecimento em público.
Os embaixadores, porém, estão no seu direito - e no seu dever. Ao se manifestarem sobre o que consideram erros, trombadas e desmiolamentos da política externa, prestam mais um serviço ao país.

Ricardo A. Setti tem 59 anos de idade e séculos de sabedoria. Jornalista há 41, enriqueceu com a dose exata de talento e equilíbrio as principais redações do país. Dirigiu, entre outras publicações, a revista Playboy e o jornal 0 Estado de S. Paulo. Depois de passagens brilhantes por cargos de ponta no Jornal do Brasil, Setti volta agora à velha casa como colaborador. Os leitores merecem.